É possível criar milhares, talvez milhões de histórias sobre amizade. Opostos que se atraem. Amigos de infância. Amigos com diferença de idade. Amigos de espécies diferentes. Amigos de lugares diferentes. A literatura está cheia destas histórias. Consequentemente, o cinema também. Não precisamos sair de nosso país para encontrar um exemplo belo e duradouro de uma boa história sobre amizade. E nem é preciso acordar sua criança interior para saber que este é um dos filmes imperdíveis da nova safra do cinema brasileiro.
Zezé (João Guilherme Ávila) é um garoto pobre que mora no interior de Minas Gerais com os pais e os irmãos. Ele é um garoto com muita imaginação e energia, e constantemente é taxado de “levado” e apanha quando apronta alguma coisa. Estaria aí a semente de um gênio incompreendido? Talvez. Até porque toda pessoa bem-sucedida tem um mentor, e o mentor de Zezé é Manuel Valadares, o Portuga (José de Abreu). A chegada do Portuga causa estranheza na cidadezinha. O senhor de idade parece ser bastante ranzinza e desperta a curiosidade de todos com seu carro belo e veloz. Zezé e o Portuga não se dão bem de início, e o garoto, ao levar um tapa no rosto, inclusive jura matar o senhor.
Mas nada melhor que o tempo para dissipar uma má impressão e cimentar uma amizade. Zezé está com o pé ferido quando o Portuga lhe ajuda, e a partir de então se desenvolve uma relação de total cumplicidade entre os dois. Se antes o único amigo do garoto era um pé de laranja lima (que inclusive lhe respondia nas conversas e era um ótimo veículo galopante movido a imaginação), agora Zezé tinha outro amigo, e de carne e osso! Quando estava com o Portuga ele se esquecia da mãe doente e muito trabalhadora, do pai bêbado e violento, da irmã sem paciência que apenas o castigava.
“Meu pé de laranja lima” é um clássico infantil. Escrito por José Mauro de Vasconcelos em apenas doze dias, foi publicado em 1968 e tem tom autobiográfico. É fácil perceber que a história se passa no final dos anos 20 (José Mauro nasceu em 1920) e fica claro que o menino Zezé é o autor José Mauro. Nascido no Rio de Janeiro, criado em Natal, autodidata, trabalhador e muito imaginativo, José Mauro foi um escritor singular – e bastante aventureiro. Criava as histórias inteiras na cabeça, guardava cada linha na memória e só depois se punha a escrever freneticamente.
José Mauro foi estudante de medicina, pescador, modelo, ator (participou de “Floradas na Serra”, 1954, clássico nacional) e companheiro de viagem dos irmãos Villas-Boas no Xingu. Seu alter-ego adulto no filme é interpretado por Caco Ciocler, em alguns poucos minutos no começo e no final da projeção, quando o escritor vive a emoção de receber seu livro pronto em mãos. É o livro com dedicatória ao Portuga, aos irmãos que morreram pelo caminho; é a ode à criatividade infantil.
A crítica deu grande destaque à atuação de João Guilherme Ávila (filho do cantor Leonardo) e à fotografia colorida, misturando aridez e fantasia. A direção estava em boas mãos: Carlos Bernstein foi roteirista de “Central do Brasil” (1999). Antes de Bernstein fazer sua versão, já havia surgido uma adaptação para o cinema em 1970, com o Aurélio Teixeira dirigindo e interpretando o Portuga, uma telenovela no mesmo ano e mais duas telenovelas nas décadas seguintes. Mas nenhum teve tanto sucesso quanto essa nova versão, que foi exibida em vários festivais ao redor do mundo e ganhou prêmios, inclusive um no valor de 10 mil reais no Festival de Roma. Está esperando o quê para conferir?
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