20 de novembro de 2011

Quando Notícias Viram Roteiros - Papel & Película (Coluna)


Não é só de obras literárias que vivem os roteiristas de cinema. É bem verdade que a arte imita a vida e muitas vezes a matéria-prima para grandes filmes está no cotidiano, esperando em frias e objetivas matérias de jornal para serem recontadas com mais pompa e circunstância nas telas.

O primeiro expoente deste fenômeno aconteceu na década de 1930, quando o estúdio Warner tinha como slogan “veja na tela as manchetes dos jornais de hoje”. Com a vigência de Lei Seca e os gângsters aterrorizando as cidades, em especial Chicago, dezenas de filmes moralistas sobre o tema surgiram baseados em histórias reais contadas nos jornais. Os principais astros desse gênero foram Paul Muni, Edward G. Robinson, George Raft e James Cagney. A Warner produziu dois grandes espetáculos cinematográficos estrelando Cagney: “Inimigo Público”, em 1931, e “Fúria Sanguinária”, em 1949, ambos impressionantes filmes com vários detalhes retirados da vida real.

Numa época já sem gângsters, eram a máfia e o Comunismo que forneciam os vilões perfeitos. Prova disso é “Sindicato de Ladrões”, filme de 1954 que teve seu roteiro criado a partir de uma série de artigos jornalísticos premiados com o Prêmio Pulitzer. Ele trata do poder dos líderes de sindicatos sobre os estivadores das docas de New Jersey. Protagonizado por Marlon Brando, Karl Malden e Eva Marie Saint, as boas atuações renderam ao filme incríveis oito Oscars, além de uma rica história de traição nos bastidores envolvendo o diretor Elia Kazan e seus depoimentos contra os comunistas.

A década de 1970 chega trazendo realismo ao cinema. Adeus aos musicais e outras fantasias cinematográficas. Um choque de realidade seria dado no público, e nada define melhor esse impacto quanto “O Poderoso Chefão” (1972). Baseado no livro homônimo de Mario Puzo, o filme traz um cotidiano desconhecido da maior parte da plateia. Amplamente baseado em situações e pessoas reais, presentes em notícias, fica até difícil de engolir que tamanha violência possa ter sido tirada da realidade. A exemplo do que acontece em “ Inimigo Público”, mais de 40 anos antes, há uma cena impressionante e verídica de vingança em que a vítima é um cavalo responsável pela morte de um dos (muitos) vilões.

Outro chocante caso real que foi para o cinema na década de 1970 é o de Sonny, recontado em “Um Dia de Cão” (1975), com Al Pacino no papel principal. A trama gira em torno de um malfadado assalto a banco que comoveu e mobilizou centenas de pessoas três anos antes. A história virou sensação televisiva e artigo especial na revista Life. Se de início temos raiva do criminoso que faz várias funcionárias reféns, acabamos por nos espantar ao saber o motivo do crime: ele precisava de dinheiro para pagar a cirurgia de mudança de sexo do amante. O ladrão verdadeiro, preso na época do lançamento do filme, afirmou que “apenas 30%” do enredo era real.

Com esse novo choque de realismo, acontecimentos noticiados acabaram nas telas dos cinemas, mais ou menos romantizados. Foi o que aconteceu com o escândalo do Watergate, responsável por derrubar o presidente norte- americano Richard Nixon, retratado em “Todos os homens do presidente” (1976). Novos filmes de gangster surgiam, embalados pelo sucesso de “O Poderoso Chefão”, e traziam muitos fatos verídicos. Os maiores expoentes desse gênero revivido são “Scarface” (1983) e “Goodfellas” (1990).

O jornalismo é uma atividade muito semelhante ao cinema. Descritiva e detalhista, o trabalho jornalístico não se prende a questões subjetivas. Isso fica a cargo de roteiristas, diretores e compositores da sétima arte, quando decidem levar para as telas o que apareceu primeiro em jornais e revistas. Desde o superclássico soviético “O Encouraçado Potemkin” (1925), recontando os eventos ocorridos vinte anos antes em um motim, até os mais recentes sucessos do cinema, sempre há algo de fascinante a ser tirado do cotidiano.

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